Inclusão mediática em processos educomunicativos: um antídoto para a infoxicação?
Marciel A. Consani
Universidade de São Paulo
Resumen
No Brasil, o conceito de Educomunicação é assumido e estudado por importantes centros de pesquisa cujos aportes orientam diversos projetos de formação junto ao governo, organizações da sociedade civil e iniciativa privada. O objetivo principal deste paper é propor o enfoque diferenciado da Inclusão Mediática, de forma a expandir as o alcance das ações educomunicativas para além das questões geralmente associadas à Inclusão/Exclusão digital. Para tanto, após uma breve revisão bibliográfica abrangendo autores que se ocupam dos conceitos correlatos de Inclusão Digital e Educação Mediática, analisaremos algumas de suas implicações no contexto das práticas educomunicativas.
Palabras clave
Educomunicação, Mídia, Inclusão Digital, escola pública, formação docente.
Abstract
In Brazil, Educommunication is a concept adopted and studied by important research centers whose contribution guide many education projects with the government, civil Society, non-profit organizations and the private sector. The main purpose of this paper is to propose a different approach of Mediatic Inclusion in order to expand the scope of educommunicative actions beyond the issues normally associated with digital Inclusion/Exclusion. Therefore, after a brief literature review covering authors dealing with the related concepts of Digital Inclusion and Media Literacy, we will analyze some of its implications in the context of the educommunicative practices.
Keywords
Educommunication, Media, Digital Inclusion, Public School, Teach training.
1. INTRODUÇÃO
Há duas décadas e meia atrás, quando fiz minha opção profissional pela Educação, tinha ideias muito claras sobre o que é ensinar e aprender. Tantas certezas, adquiridas dentro de uma educação tradicional, que foram se desgastando na prática docente, já não se sustentam e, manos ainda, à demanda da escola contemporânea.
Se por um lado, não foi exatamente fácil abrir mão dos métodos e planos didáticos rígidos que pareciam tão eficazes e buscar, a cada dia, soluções novas e motivadoras para justificar meu papel frente a um grupo de estudantes, por outro, educar passou a ser uma atividade muito mais interessante quando a velha rotina foi superada.
Embora esta mudança no panorama geral da educação tenha se processado paulatinamente, alguns divisores de água me pareceram bem marcantes ao longo desta trajetória. Poderia citar pelo menos três, que podem ser entendidos na forma de barreiras cujo rompimento pude presenciar in loco e em diferentes ocasiões.
(1) A quebra da hierarquia entre quem educa e quem é educado, que se refletiu na adoção de uma pedagogia mais dialógica e da priorização de atividades e projetos onde antes só havia lugar para a aula expositiva e “programada”.
(2) A expansão dos tempos e espaços educativos para além do horário de aula e dos muros da escola, expressa na escola de tempo integral, nas atividades de campo (aula ao ar livre) e também na adoção de estratégias didáticas interativas baseadas em plataformas virtuais presenciais ou a distância.
(3) A quebra da resistência quanto à utilização da mídia na instituição escolar, traduzida pelo reconhecimento da instituição mídia como um agente educador, ao lado da escola e da família.
É claro que não podemos nos iludir, acreditando que a instituição escolar abandonou totalmente sua orientação predominantemente conservadora — isto seria comprar a ideia veiculada pelo marketing educacional privado de que a escola do futuro, presente entre nós.
Cabe, no entanto, um certo otimismo pela transformação do ensino, alimentado, ainda que por vias tortas, pela conjunção de interesses entre o mercado, o cidadão “consumidor” e o poder público, a qual, trazendo um novo conjunto de demandas, exige cada vez mais a flexibilização da gestão do espaço escolar além de uma remodelação profunda do currículo.
Podemos nos arriscar a dizer que esta crise da escola, há muito propalada, acabou por propiciar o surgimento de propostas diferenciadas e inovadoras para captar o interesse dos alunos e melhorar os indicadores de desempenho. Em suma: mesmo que os motivos da mudança escolar tenham se caracterizado como uma reação para manter o status quo dentro do sistema político e econômico, os espaços de questionamento acabaram surgindo em muitos contextos.
Consideramos que uma destas abordagens inovadoras seja a Educomunicação, considerada como campo emergente pelo Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1).
Como esclarece Soares (2012)
O neologismo Educcommunication havia sido pautado, nos anos 1980, pela UNESCO, como sinônimo de Media Education, para designar todo o esforço do campo educativo em relação aos efeitos dos meios de comunicação na formação de crianças e jovens. Entre 1997 e 1999, o Núcleo de Comunicação e Educação da USP realizou uma pesquisa, patrocinada pela FAPESP, junto a 176 especialistas de 12 países da América Latina, identificando a vigência de uma prática mais abrangente no seio da sociedade civil, que tomava a comunicação como eixo transversal das atividades de transformação social. Passou, então, o NCE/USP a ressemantizar o termo educomunicação para designar o conjunto destas ações que produzem o efeito de articular sujeitos sociais no espaço da interface comunicação/educação. No caso, à leitura crítica da mídia e à produção midiática por jovens soma-se o conceito de estão da comunicação nos espaços educativos. (Soares: 2012, 11)
A ressemantização deste conceito foi construída ao longo de mais de uma década ininterrupta de projetos envolvendo educadores, crianças, adolescentes e jovens adultos. Algumas destas vivências se desenvolveram no âmbito do ensino formal (escolas públicas e privadas) e outras envolveram associações civis e setores ligados à Cultura e o meio Ambiente.
Também consideramos, pelo viés da Mediação Tecnológica na Educação (MTE) o exercício de práticas educomunicativas em ambientes de Educação a Distância, uma vertente de intervenção em franco crescimento (Consani, 2008).
Mais do que apreciarmos a discussão acadêmica que embasa os diferentes olhares possíveis sobre a educomunicação, interessa-nos analisá-la partindo de suas aplicações práticas, que mapearemos aqui de forma bastante sucinta.
2. A EDUCOMUNICAÇÃO EM RETROSPECTIVA
2.1. Precursores da Educomunicação
Se consideramos, como citado há pouco, que o termo “Educomunicação” foi introduzido pela Unesco em 1980 (2) e que suas repercussões adentraram a década de 1990, poderíamos nos perguntar: “Afinal, o que há de novo na proposta Educomunicativa?”
Na verdade, não é a expectativa pelo ineditismo o que deve nos indicar o entendimento e apropriação dos pressupostos educomunicativos. Ao contrário, é fácil apontar, nos espaços educativos, precursores no uso das linguagens e técnicas pertinentes à comunicação ainda na primeira metade do século XX.
Kaplún (2012: 43) um dos primeiros estudiosos a adotar a expressão “educomunicador”, aponta Freinet (3) como um dos pioneiros da prática pedagógica por meio do jornalismo na escola. Entendendo o jornalismo como uma maneira de tratar e veicular a informação, é possível entendermos como a abordagem de Freinet era arrojada, visto que o jornal em suas aulas, não funcionava como uma ferramenta ou um elemento motivador em meio a uma didática tradicional, mas como o articulador de praticamente toda a ação educativa.
O fato de a pedagogia de Freinet, assim como a de Korczak (4) aparecerem como práticas pontuais no século passado, não adotadas em larga escala nem pelo macrocampo da Educação e nem pelo da Comunicação, diz muito a respeito da relação predominantemente conflituosa entre ambos. Em nosso texto evitaremos esmiuçar este desencontro, em parte pela falta de espaço, mas também por entender que ele foi, de certa forma, atropelado pela sucessão tecnológica que incorporou, definitivamente a mídia digital dentro da escola.
Nossa constatação é a de que a integração epistemológica da comunicação por parte da pedagogia (exceto a abordagem instrumental dos “apoios audiovisuais”) conformou-se como uma “etapa queimada” ou, pelo menos, como um trabalho a ser construído à partir de outras interfaces transdisciplinares estabelecidas com (e entre) outros campos e áreas como, por exemplo, a Filosofia, a Gestão do Conhecimento e a Tecnologia da Informação.
2.2. Educomunicação no Brasil: da sociedade civil para a universidade e o poder público
Em grande parte, a Educomunicação no Brasil buscou, ela própria, representar esta interface, utilizando o referencial teórico da Comunicação Social, mas também de educadores significativos como Paulo Freire (5) e Mário Kaplun. A eles, somam-se alguns autores latino americanos que contribuíram na linha da chamada Teoria das Mediações, como o colombiano Jesús Martín-Barbero, o mexicano Guillermo Orozco-Gomez e o argentino Nestor Gárcia Canclíni (6).
O embasamento teórico proporcionado por esses pensadores revelou-se fundamental para sustentar as ações educomunicativas desenvolvidas no Brasil e em outros países latinos, prioritariamente por ONGs e OSCs (7) e, mais tarde, por parcerias de grande monta entre a academia e o poder público (ver tabela 01).
O reconhecimento acadêmico, aliás, foi uma espécie de “garantia de seriedade” que encorajou a contratação de projetos como o Educom.Rádio, viabilizado pelo NCE/USP junto à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP) entre os anos 2002 e 2004 (Tavares Jr.: 2007).
Ainda em dezembro de 2004, a Prefeitura Municipal de São Paulo transformou o Projeto Educom.Rádio em Lei Municipal. De acordo com esta Lei de número 13.941 (São Paulo: 2004), cabe ao poder municipal criar programas para “desenvolver e articular práticas de Educomunicação, incluindo a radiodifusão restrita, a radiodifusão comunitária, bem como toda forma de veiculação midiática, de acordo com a legislação vigente, no âmbito da administração municipal”, além de “incentivar atividades de rádio e televisão comunitária em equipamentos públicos”. O governo municipal deveria, ainda, “capacitar, em atividades de Educomunicação, os dirigentes e coordenadores de escolas e equipamentos de cultura do Município”.
A adoção do conceito de Educomunicação por uma instância pública com o peso da SME-SP (8) foi um marco importante no sentido de incorporá-la permanentemente no conjunto das práticas escolares. Esta expectativa parece ter se fortalecido com a edição, em dezembro de 2009, da Portaria Nº 5.792 (São Paulo: 2009), definindo normas complementares e procedimentos para a aplicação da Lei Educom, através do “Programa nas Ondas do Rádio”.
Considerando que, após a “Lei Educom” já houve três sucessões de governo (e de partido) à frente do governo paulistano, é razoável supor que a educomunicação já está inserida na rede pública da maior cidade brasileira. De certa forma, a dimensão e o alcance das políticas educacionais da cidade de São Paulo, nos tenta a considerá-la um caso emblemático na efetivação dos pressupostos educomunicativos, mesmo sabendo que existem muitos outros exemplos convergentes espalhados pelo Brasil.
Por outro lado, esta apropriação nos coloca diante de uma nova questão: “Que tipo de ações educativas são identificadas como educomunicação no contexto brasileiro”? Antes de respondermos a este questionamento, é interessante apresentar um panorama sucinto dos projetos educomunicativos de maior âmbito que contaram com a participação do NCE-USP, precedido de alguns aportes sobre o sistema educacional de nosso país.
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Educom.TV
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Educom.Rádio São Paulo
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Educom.Rádio Centro-Oeste
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Educom Geração Cidadã
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Mídias na Educação
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Mídias envolvidas
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TV e Vídeo
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Rádio
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Rádio
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Rádio e Blog.
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Web, Rádio, Vídeo e Mídia Impressa.
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Período de vigência
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Junho a dezembro de 2002.
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Agosto de 2001 a dezembro de 2004.
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Outubro de 2003 a outubro de 2004.
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Janeiro a março de 2006.
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Outubro de 2006 a julho de 2013.
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Demanda atendida
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2.243 docentes da rede pública do estado de São Paulo.
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8.636 cursistas (100%), sendo: (1) 5.200 professores e funcionários (60,2%), (2) 2.861 estudantes (33,1%) e (3) 575 membros da comunidade (6,6%).
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140 educadores acompanhados de 20 especialistas das secretarias de educação do estado de Mato Grosso do Sul.
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2.000 cursistas (número aproximado).
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8.000 cursistas atendidos (número aproximado e
450 formados em nível de especialista.
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Universo
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1.034 unidades escolares de 88 delegacias de ensino do estado de São Paulo.
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455 escolas de ensino fundamental da cidade de São Paulo.
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70 escolas urbanas, rurais, indígenas e quilombolas dos estados da região Centro-Oeste.
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Jovens recém-egressos do Ensino Médio.
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Professores de ensino Fundamental das redes públicas de São Paulo e Pernambuco.
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Modalidade
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Curso de difusão cultural, não-presencial (EaD), estruturado em atividades no ambiente interativo e 04 seminários presenciais.
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Curso de difusão cultural, presencial, baseado em palestras e atividades de produção radiofônica.
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Curso de aperfeiçoamento, semipresencial e teórico-prático.
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Curso presencial com interação online.
Objetivo de pré-profissionalização.
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Curso de pós graduação online com reuniões semestrais presenciais.
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Estrutura do curso
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Dividido em 10 unidades temáticas, versando sobre conceitos, pressupostos e metodologia de trabalho da educomunicação. O ambiente comportou 35 salas virtuais tutoradas, cada uma com 60 a 70 professores-cursistas.
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Doze encontros presenciais de oito horas (total: 96 horas), divididos em três módulos (04 encontros cada).
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Dividido em quatro tópicos temáticos, disponibilizados online, com duração estimada de 180 horas (docentes) 264 horas (técnicos).
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Dividido em dez unidades temáticas, versando sobre conceitos, pressupostos e metodologia de trabalho da educomunicação
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Curso de 360 horas dividido em três módulos semestrais.
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Tabela 01: Dados comparativos entre projetos viabilizados pelo NCE/USP entre 2002-2013
3. UM BREVE PANORAMA DE PROJETOS EDUCOMUNICATIVOS DO NCE/USP
3.1. Tendências conflitantes na escola brasileira
Um misto de avanço e retrocesso caracteriza a escola pública brasileira. Entre projetos inovadores e uma escassez brutal de recursos, o sistema público de ensino tenta cumprir seu papel sem sucumbir ao peso de sua imensa estrutura.
Também existe a contradição latente entre um projeto humanista que se consolidou firmemente no imaginário docente — e no discurso das autoridades que definem os rumos políticos e pedagógicos das secretarias de educação — e a necessidade de apresentar resultados concretos mensuráveis para atestar o sucesso das políticas públicas. Assim, a educação brasileira persegue a educação cidadã na mesma medida em que se propõe a ascender nos rankings internacionais de excelência do ensino, nos quais, aliás, não se encontra em boa colocação (8).
Como se vê, nada muito diferente da realidade de outros países mais ou menos desenvolvidos economicamente mas que nunca superaram sua herança colonial, manifesta na dicotomia “Elite X Povo”. Sob um certo prisma, o dilema brasileiro versa não apenas sobre o tipo de educação, mas o de sociedade que se espera construir daqui para a frente.
No Brasil, também, como em outros lugares do mundo, a tecnologia viabilizou tendências que, bem ou mal, acabaram incorporadas no dia a dia das escolas. Aprendemos a conviver com a informática e os recursos audiovisuais, embora, durante um longo tempo, tais novidades tenham se prestado somente ao papel de ferramentas de apoio à educação tradicional. Dito de outra maneira: no mais das vezes, as chamadas novas tecnologias apoiaram — e, em grande medida, ainda apoiam — o jeito velho de se educar.
Tendo participado de várias das iniciativas desenvolvidas pelo NCE/USP, podemos relatar, em primeira mão, alguns exemplos de aplicação prática dos pressupostos educomunicativos em projetos realizados em parceria com diferentes órgãos do poder público.
É bom esclarecermos que se trata de uma percepção “fenomenológica”, no sentido mais lato, isto é, no de quem participou diretamente nas atividades de produção de conteúdo, gestão e mediação na maior parte dos projetos mencionados. A este objeto de análise, no qual predomina a visão acadêmica pelo viés da extensão universitária, contrapõem-se as ações vivenciadas dentro do “Programa Nas Ondas do Rádio”, que se institucionalizou dentro da SME-SP, definindo uma linha conceitual e metodológica relativamente autóctone, mas ainda em construção. Neste segundo universo de pesquisa predomina a visão da administração escolar e das diretrizes oficiais de letramento digital e mediático no município de São Paulo.
A noção de conjunto que podemos atribuir a todas estas práticas tem a ver com as seis vertentes ou áreas de intervenção definidas para a educomunicação na obra de Soares (2012) como (1) educação para a comunicação, (2) expressão comunicativa através as artes, (3) a mediação tecnológica nos espaços educativos, (4) a pedagogia da comunicação, (5) a gestão da comunicação nos espaços educativos e (6) a reflexão epistemológica sobre a própria prática em questão (Soares: 2012, 47).
3.2. Perfil das ações educomunicativas
Para entendermos a educomunicação partindo de suas áreas de intervenção em direção às estratégias e práticas, é fundamental agregarmos alguns conceitos. Um bom começo, seria o de entender a abordagem educomunicativa se apresenta como sistêmica, crítica e operativa.
Dizemos que ela é sistêmica, inclusive por se apoiar na ideia de um ecossistema comunicativo, metáfora que se aplica às “teias de relações das pessoas que convivem nos espaços onde esses conjuntos de ações são implementados.” (Soares: 2012, 37). A característica mais marcante deste ecossistema é a interdependência entre os agentes comunicacionais os quais se encontram, aliás, num plano horizontal de relacionamento, ou seja, sem hierarquias rígidas e pré-definidas.
Já o aspecto crítico da educomunicação deriva de suas origens vinculadas à educação para os meios (10), prática educacional modelada pelos estudos de recepção. Sobre este aspecto, Lima (2009) assevera que
Para não repetir, ingenuamente, nas produções coletivas de comunicação na perspectiva da Educomunicação procedimento semelhante ao de grandes empresas de comunicação, precisamos submeter à crítica alguns aspectos que caracterizam o processo de produção de mensagens nesses espaços. (Lima: 2009, 57).
Quando dizemos que a educomunicação é operativa, estamos justamente nos referindo ao emprego preferencial da produção mediática como estratégia pedagógica. Segundo Soares (2012), ainda em consonância com a ideia de ecossistema comunicativo, o educomunicador qualifica suas ações como (a) inclusivas, (b) democráticas, (c) midiáticas e (d) criativas (Soares: 2012, 37).
Além de todos estes conceitos referenciados no âmbito da educomunicação, podemos estabelecer outras categorias para as ações educomunicativas. Assim, de acordo com os agentes envolvidos, podemos falar em ações formativas/inclusivas:
(1) voltadas preferencialmente para os jovens educandos. Tais estratégias foram bastante desenvolvidas no decorrer do mencionado projeto Educom Geração Cidadã (ver Tabela 01);
(2) dirigidas a educadores que atuarão multiplicando, num segundo momento, a abordagem educomunicativa em seu contexto profissional. Os cursos semipresenciais Educom.TV e Mídias na Educação exemplificam bem este direcionamento;
(3) abrangendo uma demanda mista, isto é, na qual, alunos, educadores e membros da comunidade escolar (incluindo pais e responsáveis) forma envolvidos na dinâmica das ações educomunicativas. Esta foi a abordagem enfatizada, por exemplo, no projeto Educom.Rádio.
Para concluir esta caracterização das ações educomunicativas, julgamos pertinente descrever, com brevidade, uma ação educomunicativa ainda em curso, adotada dentro do “Programa Nas Ondas do Rádio”: as equipes de “Imprensa Jovem”.
O princípio que sustenta estas equipes de alunos vivenciando a prática jornalística dentro do currículo escolar, já havia sido utilizado no Educom.Rádio. Hoje, ao invés do prosaico bloco de anotações e dos antigos gravadores de fitas K7, os alunos (sob a mediação de um professor-educomunicador) dispõe de um arsenal de ferramentas digitais para produção e veiculação de matérias que eles próprios elaboram.
O grande avanço, não está propriamente nos recursos da tecnologia digital, mas na possibilidade de percorrer toda a cadeia de operações mediáticas que compõem a rotina do jornalismo. E mais: a multiplicidade de tarefas exigidas, permite a existência de inúmeras funções (redator, fotógrafo, apresentador, publisher) nas quais os alunos podem se revezar.
O investimento da SME-SP nesta estratégia foi grande e, no período de 2009-2012, os alunos puderam contar com uniformes (equivalentes à credenciais de imprensa), logística de transporte e alimentação e uma agenda para cobrir grandes eventos na cidade, como por exemplo, a Campus Party e a Fashion Week. As matérias produzidas pelos jovens repórteres, além de serem publicadas em blogs (11), contaram algumas vezes com espaços reservados na publicação oficial do governo da cidade: o Diário Oficial Municipal de São Paulo.
Este exemplo, que nos parece adequado para falar da importância da integração das ferramentas digitais na educomunicação, que tratamos aqui na perspectiva da Inclusão Mediática.
4. INCLUSÃO MEDIÁTICA, NOVA DEMANDA E NOVAS QUESTÕES
4.1. Da Inclusão Digital à Inclusão Mediática
Há alguns anos atrás, dada a relevância das ações inclusivas nas dinâmicas voltadas ao desenvolvimento social, a expressão “Inclusão Digital” se tornou bastante popular.
Seu conceito pode ser traduzido como “acesso ao computador e aos conhecimentos básicos para usá-lo” (Amadeu da Silveira: 2003, 18). Esta ideia é diretamente vinculada ao conceito oposto de “exclusão digital”, constatando ainda que, para eliminá-la, não basta somente garantir o acesso físico a computadores, senão que estes devem estar conectados à Internet. Segundo Amadeu da Silveira (idem): “a ideia corrente é que um computador desconectado tem uma utilidade extremamente restrita na era da informação, acaba sendo utilizado como uma mera máquina de escrever.”
De certa forma, entender o acesso a computadores e à rede mundial como um direito básico, tanto quanto a comida e a moradia, parece tornar esta tarefa titânica mais exequível, pelo menos quanto ao foco do trabalho. Isto pressupõe, é claro, que a conexão à web proporciona a “inclusão” do usuário no universo informacional, o qual representaria o patrimônio mais valorizado da sociedade mundial globalizada.
Na prática, pelo menos no caso brasileiro, as metas iniciais dos programas de inclusão digital encontraram sérios obstáculos para serem cumpridas, tendo atendido mais às escolas em melhor situação e aos professores melhor preparados (Mercadante: 2008, 69). A mesma avaliação também menciona as dificuldades de equipar com computadores e redes de comunicação digital as escolas situadas nas periferias das grandes cidades ou em zonas rurais que não possuem sequer uma infraestrutura elétrica adequada.
Além disso, há um segundo aspecto envolvido: o da capacidade de utilização destes recursos para além da simples substituição de equipamentos que já existiam e funcionavam, não só máquinas de escrever, mas também calculadoras, televisores, sistemas de correio e telefones, para ficarmos em poucos exemplos.
Um fato que não podemos ignorar é o de que, incluir digitalmente os cidadãos de um país, não altera necessariamente a qualidade da cidadania que exercem, embora possa, sem dúvida, fazer deles consumidores mais dedicados. Sob esta perspectiva, ainda que distribuíssemos um dispositivo conectado a cada ser humano do planeta, e lhes instruíssemos a usá-lo para conectar-se com o mundo, o mais provável é que todos eles continuassem limitados à sua órbita de interesses corriqueiros, sem operar nenhuma revolução global e informacional em prol de um mundo mais igualitário e sustentável.
Ainda segundo Amadeu da Silveira (2003: 32-33), esta necessidade também foi detectada pelos autores pioneiros que se ocuparam da inclusão digital, desdobrando suas ações em três vertentes:
(1) aquela voltada à ampliação da cidadania, buscando o discurso do direito de interagir e do direito de se comunicar através das redes informacionais;
(2) o combate à exclusão digital como elemento voltado à inserção das camadas pauperizadas no mercado de trabalho da era da informação;
(3) a formação sociocultural dos jovens na sua orientação diante do dilúvio informacional, no fomento de uma inteligência coletiva capaz de assegurar a inserção autônoma do país na sociedade informacional.
Mesmo considerando incompleta e um tanto vaga a delimitação da terceira vertente, é nela que nos baseamos para propor a abordagem educomunicativa que chamamos de Inclusão Mediática.
Do nosso ponto de vista, faltaria a noção de “letramento”, necessária para a utilização efetiva das tecnologias conectivas para fins que não os imediatos e utilitários. Vem daí, nosso interesse em gestar uma versão ampliada da inclusão, enfatizando seu aspecto mediático.
4.2 Por que Inclusão Mediática na educação?
Embora a discussão aqui planejada tenha seguido por um rumo que evidencia a tecnologia como fator de inclusão, é preciso reiterar o fato de que incluir “na” e “pela” Mídia, implica em muito mais do que disponibilizar meios digitais de produção e comunicação.
As expressões “Inclusão Digital” e “Educação Midiática” têm sido utilizadas com frequência e de forma consistente em situações distintas que envolvem desde o Direito à Comunicação até a Informática Educativa, entre outras (Maia: 2011, 60).
Num passado recente, ambas as linhas de atuação se baseavam em diferentes matrizes epistemológicas e utilizavam ferramentas distintas, situação que mudou dramaticamente por conta do desenvolvimento de tecnologias digitais de imagem e som e da chamada convergência digital.
Embora, nos dias de hoje, a comunicação seja sustentada quase que integralmente pelas mídias digitais, o pensar e o fazer pedagógicos presentes na escola, muitas vezes, não refletem os avanços alavancados por esta revolução tecnológica.
Uma das possíveis estratégias para contextualizar as mídias digitais nos processos educacionais seria a de sistematizar sua inclusão no currículo, realizando produções em texto, imagem, áudio e vídeo de forma a promover sua apropriação crítica pelos educadores.
Neste sentido, nossa concepção de mediação visa propiciar o domínio técnico e conceitual das linguagens midiáticas na plataforma digital apoiados no binômio: leitura crítica e vivência de produção. Ambas as estratégias são complementares, na medida em que analisar a comunicação a que estamos expostos (seus modelos no rádio, televisão, web etc.) é uma tarefa concomitante com a de produzir a partir destes modelos de acordo com a interpretação dos próprios alunos.
Estas tendências, gestadas ao longo das últimas duas décadas, vem se institucionalizando nas escolas públicas brasileiras (frisamos: o exemplo de São Paulo é significativo, mas não o único), e os projetos vão deixando de ser “adendos” ao currículo para se integrarem à rotina de atividades da sala de aula.
Concomitante com as preocupações institucionais, a maioria dos educadores também já se deu conta da inexorabilidade da transformação que atingiu a escola. Aos poucos, as formações específicas e áridas do passado recente — quando os “técnicos” eram chamados para instruir os professores até para o uso mais elementar do computador e da Internet, vão dando lugar a uma proficiência adquirida pela apropriação voluntária das linguagens mediáticas contextualizadas na prática pedagógica. Sem dúvida, é fundamental que os profissionais da educação também sejam incluídos midiaticamente, uma vez que eles são o elo mais importante na efetivação das políticas públicas no meio escolar.
Finalmente, os alunos, estimulados pela Mídia em diferentes contextos, não mais se contentam em ser receptores passivos, seja dos conhecimentos formais inseridos no currículo (usualmente formatados como livros didáticos) seja da torrente de informações que jorra da Internet. Eles buscam, mais do que nunca ser os protagonistas de suas próprias narrativas e notícias.
Reconhecer a necessidade e o direito ao protagonismo das crianças e jovens não é entrega-los à própria sorte dentro do processo de socialização que a escola proporciona: é compartilhar a responsabilidade pelo próprio desenvolvimento, não mais sob o signo da tutela, mas da parceria.
Será que existe algum ideal mais nobre a ser perseguido na educação do século XXI.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM ANTÍDOTO PARA A INFOXICAÇÃO?
Uma frase atribuída ao chanceler Otto Von Bismarck, reza que “Leis, como salsichas, deixarão de inspirar respeito na proporção em que sabemos como elas são feitas.”
Poderíamos estender a mesma metáfora à informação no geral e às notícias, no específico: de onde elas vem? Como são produzidas? Que percentual de verdade existe em seu “recheio”?
As práticas educomunicativas se propõem a modificar este paradigma, o do grupo de experts em comunicação que decide o que é notícia e como ela será veiculada. Projetos como o da Imprensa Jovem, que apresentamos aqui de modo bastante superficial, se configuram como um bom modelo a ser vivenciado: produzir as notícias, não só acessá-las e simplesmente acreditar que elas dizem “só” a verdade e “toda” a verdade.
Nós que nos maravilhamos com o progresso vertiginoso dos meios de comunicação e das tecnologias que lhe dão suporte, não podemos prever a natureza das revoluções culturais que o futuro nos reserva. Não podemos também nos esquecer que nossa responsabilidade é a de disseminar o espírito crítico e a pluralidade de vozes e opiniões, estas que são as únicas garantias contra a manipulação fácil a que a mídia está sujeita, dada as sua natureza maleável.
No Brasil se diz que “o papel aceita tudo” e assim acontece também, com o filme fotográfico, o celuloide e as memórias RAM. Se a tecnologia e as mídias, enquanto canais e suportes da comunicação não são confiáveis, o que se espera do educador? Qual deve ser o seu papel?
Resposta: mais do que fazer sermões sobre o valor da informação de qualidade e comunicação “verdadeira”, entendemos que a estratégia mais eficaz para a educação contemporânea é a de “aprender comunicação pelo ato de comunicar”.
Partindo de nossa convicção educomunicativa, a isto, escolhemos denominar aqui de “Inclusão Mediática”.
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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO. Educação em números. Portal SME [online]. Março de 2013 [Consulta: 30 de setembro de 2013].
SOARES, Ismar de O. (2012). Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação. São Paulo, Paulinas. ISBN: 978-85-356-2752-7.
TAVARES Jr. R. (2007). Educomunicação e expressão comunicativa: a produção radiofônica de crianças e jovens no projeto Educom.Rádio. Dissertação de Mestrado apresentada à ECA-USP, São Paulo, em 2007.
(1) Sob a coordenação de Ismar de Oliveira Soares, o NCE-ECA/USP foi oficializado em 1998 e consolidou-se como um atuante núcleo de atividades de extensão realizadas em parceria entre a Universidade de São Paulo e diferentes agentes sociais, como departamentos de governo, ONGs e instituições de ensino.
(2) É digno de interesse o fato de que a mesma Unesco, publicou seu Curriculum de “Alfabetização Mediática e Informacional para Professores (Grizzle & Wilson: 2011), sem mencionar a, hoje, relativamente disseminada Educomunicação.
(3) Celéstin Freinet (1896-1966), educador francês propositor de uma abordagem pedagógica alternativa.
(4) Referimo-nos a Janusz Korczak, pseudônimo do pedagogo polonês Henryk Goldszmit (1878-1942), o qual preocupou-se, em seu trabalho, com o uso educativo do rádio e do jornal, sob uma perspectiva de relação horizontal e dialógica com seus alunos.
(5) Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), pensador brasileiro que desenvolveu um importante trabalho com a questão da alfabetização em meio rural. Perto do fim da vida, exerceu o cargo de Secretário da Educação na cidade de São Paulo.
(6) Conhecidos, respectivamente, por suas obras “De Los Medios a las Mediaciones” (1987), “Al Rescate de Los Medios: Desafío Democrático para Los Comunicadores” (1994) e “Culturas híbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidad” (1990).
(7) Em nosso meio, a expressão “Organizações da Sociedade Civil”, de certa forma, substituiu a expressão “Organizações Não-Governamentais”.
(8) Que no ano de 2013 conta quase um milhão de alunos, atendidos por mais de cem mil professores distribuídos em mais de duas mil e quinhentas escolas (Secretaria Municipal De Educação de São Paulo: 2013).
(9) Em ranking divulgado no final de 2012, entre quarenta países analisados, o Brasil ocupava a penúltima colocação.
(10) Identificada pelas expressões Media Education, nos países anglo-saxões e Educación em Medios, naqueles de cultura hispânica.
(11) É possível acompanhar as ações do projeto no link http://noarimprensajovem.blogspot.com.br